domingo, 14 de junho de 2009

Eleições no Paraguai: "sou uma linha média entre Chávez e Lula", diz Fernando Lugo El País


Consciente de que com uma formação criada há apenas oito meses poderá acabar com 61 anos de hegemonia política do conservador Partido Colorado, Fernando Lugo (nascido em San Pedro em 1951) adverte que chegou a hora da mudança no Paraguai, mas buscando uma terceira via entre a Venezuela de Chávez e o Chile de Bachelet. Esse bispo, sancionado pelo Vaticano por suas posições progressistas, defende o reconhecimento da China continental e a desapropriação de terras e ressalta que a liberdade é fundamental para abordar as questões sociais.

El País - O governo está fazendo todo tipo de acusação contra o senhor. Pensava que a política fosse assim?
Fernando Lugo -
Sinceramente, não esperava ataques de tão grosso calibre, mas entendo por quê, o que estamos fazendo é uma grande ousadia. Em apenas oito meses estamos em condições de romper a hegemonia política de um partido que governou por mais de 60 anos.

EP - Exatamente por essa hegemonia crescem as denúncias de fraude eleitoral no próximo domingo. O que vai acontecer quando fecharem as urnas?
Lugo -
Nós dizemos que não vai ser fácil, mas também não vai ser impossível. O sistema no Paraguai está muito deteriorado pelo clientelismo e a corrupção, e onde há uma confusão total entre o que é o partido e o que é o Estado.


EP - O senhor está rodeado de homens armados. Teme por sua segurança?
Lugo -
Já quando era bispo de San Pedro eu recebia ameaças de morte, mas, como se costuma dizer, ninguém morre de véspera.

EP - Se inclina mais pela via de Chávez e Morales ou está mais em sintonia com Lula e Bachelet?
Lugo -
E não pode ser uma linha intermediária, a de Fernando Lugo? O Paraguai tem de fazer seu próprio processo. Creio que hoje na América Latina não há paradigmas comuns, unificados. Embora tenhamos problemas comuns, há outras coisas muito diferentes. Temos de fazer nosso próprio caminho para nos integrar e não sermos uma ilha entre governos progressistas.

EP - Qual será então a política externa paraguaia?
Lugo -
O Paraguai precisa tentar recuperar nossa dignidade como nação. Devemos revisar as relações diplomáticas com Taiwan. Não se pode ignorar a China continental, nem desconhecer esse mundo tão grande e as conseqüências econômicas que isso tem. Precisamos ter uma política externa clara e diferenciada. Não podemos aceitar de maneira alguma "a diplomacia de talão de cheques". Queremos estar abertos ao mundo inteiro.

EP - Seu programa é chamado de radical. Pensa em desapropriar terras?
Lugo -
Sim. É uma figura constitucional. A Constituição garante a propriedade privada mas também reconhece o direito a desapropriar, pela via parlamentar, terras que não sejam racionalmente exploradas. Vamos tentar recuperar as terras comunais.

EP - O que pensa sobre a adoção de leis sobre casais do mesmo sexo ou o aborto?
Lugo -
O Paraguai não é a Espanha. Não tem o processo civil espanhol. Temos um código civil que é preciso reformar. Existe um direito humano que é a liberdade. Liberdade de consciência, liberdade de adoção. É preciso respeitar a liberdade. Não estamos na Idade Média em que o Estado se identifica com uma religião. Não vou esconder a cabeça diante de temas polêmicos de tom moral, porque é um processo de que devem participar todos os paraguaios, independentemente das crenças de seu presidente. Em questões como eutanásia e aborto eu me identifico profundamente com a Igreja Católica.

EP - Mas pesa sobre o senhor uma importante sanção canônica.
Lugo -
O Vaticano reagiu como devia reagir. Sou um caso único de um bispo que aspira a ser presidente de um país. No Haiti, Jean Bertrand Aristide era padre, mas não bispo.

EP - Não está transferindo seu trabalho de bispo para a política?
Lugo -
Quando a Igreja Católica como instituição optou por se identificar com um modelo temporal se equivocou. Aconteceu com sacerdotes nicaragüenses durante o sandinismo e ocorreu em El Salvador. A opção pastoral da Igreja latino-americana com a qual eu me sinto identificado transferiu muitos para a política. Por isso há pessoas que me identificam com a esquerda, mas ideologicamente eu não me identifico com nenhum grupo de esquerda. Sou mais um eixo de diálogo que propiciou que nove partidos que antes nem se cumprimentavam agora concorram juntos.

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